quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A teia social de Eli

por Maurício Meireles para o site do SEBRAE

0,,43370540,00No galpão atrás da Igreja de Santana, no centro do Rio de Janeiro, trabalham 80 mulheres de 23 comunidades da região metropolitana. A história delas tem em comum pobreza, sofrimento e dramas familiares, em geral as três coisas. Nas mesas espalhadas pelo galpão, elas trabalham com cola, tesoura, cartolina, tecidos e outros materiais. Uma corta, a outra dobra e uma terceira costura. “Lembrem: menos é mais”, diz a artista plástica Eli Tosta ao microfone, o único jeito de ser ouvida no meio de tanta gente. Ali acontece uma oficina de artesanato ministrada pela artista, dona do Ateliê Brasil. A empresa, pioneira em fazer o meio de campo entre o Terceiro Setor e o mercado, ajuda na geração de negócios sustentáveis para comunidades tradicionais de todo o país. Eli prepara e articula grupos de artesãos para confeccionarem os produtos comercializados por sua empresa.

Você pode até não conhecer o nome, mas é provável que já tenha visto um dos produtos assinados pelo Ateliê Brasil. Com 16 anos de estrada, Eli é a principal responsável por brindes corporativos e embalagens de produtos de mais de 20 empresas brasileiras e internacionais. São bancos, mineradoras e fabricantes de cosméticos. O Banco Mundial está entre seus clientes. “Artesanato” nem é a palavra certa para explicar o que a empresa faz. Eli usa a expressão “produto social”. Tradicionalmente, o artesão é o profissional que usa uma técnica não industrial e domina todas as etapas da confecção do produto. Nas oficinas que Eli ministra pelo Brasil, ela enfatiza a importância do trabalho em equipe como caminho para chegar ao mercado. “Enquanto uma corta, a outra costura. Assim ganhamos tempo e produtividade”, diz. Outra vantagem é que o trabalho em equipe evita que técnicas artesanais desapareçam. “Se há um só velhinho no interior da Bahia que sabe fazer determinado produto, essa técnica pode morrer com ele”, afirma Eli.

O objetivo das oficinas não é apenas treinar mão de obra. Com elas, Eli cria uma rede de fornecedores em potencial, que talvez nunca conseguissem grandes clientes sem a ajuda do Ateliê Brasil. A empresa tem mapeadas 1.900 comunidades em todo o país. Se enquanto você lê esta reportagem um banco encomendar 20 mil brindes de Natal, Eli vai consultar o mapa para ver qual das 1.900 comunidades que ela visitou nos últimos 16 anos tem capacidade de atender àquele pedido com qualidade e no prazo. Com sua eficiência, o Ateliê Brasil resolveu um problema antigo das empresas: elas querem fazer negócios com o Terceiro Setor, mas não sabem quem procurar ou têm medo. Com uma empresa “séria” fazendo o meio de campo, é mais fácil para os dois lados. “Nossos produtos já saem com código de barras. Nunca perdi um prazo”, afirma Eli.

Quem prestar atenção só no jargão dos negócios que Eli usa para motivar seus parceiros pode não perceber que ali está, antes da empresária, uma artista sensível e bem-sucedida, que já expôs em museus como o Louvre e o Museu Nacional Italiano. Ela afirma que o olhar de artista – responsável por ver a beleza em folhas, madeiras e garrafas PET – botou a empresa de pé. Eli só lamenta não ter mais tanto tempo para pintar. Ela diz que acaba de abrir mão de expor na Itália por causa do trabalho.

Descendente dos primeiros italianos e espanhóis que colonizaram Mato Grosso do Sul, Eli se define como uma mulher do Pantanal. “Cada vez que começa a primavera, nem preciso fechar os olhos para ver o jardim de ipês do Pantanal, com várias cores explodindo, os bichos convivendo. Pode ter outro lugar no mundo assim, mas eu nunca vi”, diz. Eli conta que aos 9 anos “assaltava” a cozinha da fazenda da família para distribuir comida entre os ribeirinhos. Com o tempo, percebeu que dar comida podia até ajudar, mas não tiraria aquelas pessoas da pobreza. Começou a pedir ao pai que arrumasse emprego para eles. Hoje é ela quem arruma emprego para as pessoas.

A artista e empresária se emociona quando ouve as histórias de como o trabalho muda a vida das pessoas. Na semana passada, uma das mulheres na oficina do Rio dava socos numa bola de jornal que viraria a cabeça de um anjo. “Tô fingindo que isto aqui é a cabeça do meu marido”, dizia. Eli depois explicou que já viu coisas assim outras vezes: são as mulheres que apanham dos maridos. “Mas o trabalho faz com que elas se sintam úteis, recuperem a autoestima”, afirma.

A família de Bruna Gurgel, de 16 anos, foi abandonada pelo pai quando ela ainda era criança. O irmão de 25 anos era a figura paterna que Bruna tinha, mas ele foi preso há sete meses durante um assalto. “Ele era meu melhor amigo”, diz Bruna. A adolescente entrou em depressão, não saía de casa, quase largou os estudos – mas encontrou no artesanato um novo sentido na vida. Ana Alves, de 57 anos, empregada doméstica e mãe de cinco filhos, chegou a tentar o suicídio quando se viu diante do desemprego e da depressão. O aluguel da casa e o colégio dos filhos estavam atrasados havia seis meses quando a diretora da escola a contratou para fazer brindes para as crianças. Hoje, vive disso. Conseguiu comprar casa, carro e voltar às aulas de dança de salão. “O trabalho salvou minha vida”, diz ela.

Há também as histórias de transformação coletiva. Euzébio, uma cidade de 40 mil habitantes no interior do Ceará, tinha renda per capita de R$ 20. Hoje, os artesãos ganham R$ 15 por garrafa coberta com chita produzida na cidade. “Conseguimos diminuir os índices de violência, alcoolismo e outros problemas nos lugares em que fazemos negócio”, afirma Eli. O Ateliê Brasil cresceu mais do que sua fundadora esperava ou pretendia. O motivo é o aumento da demanda por produtos sustentáveis do Brasil. O caminho natural da empresa vai ser a exportação. “Já temos uma demanda grande no exterior, mas ainda não posso exportar sem que isso atrapalhe nosso trabalho no Brasil”, diz Eli.

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